O Mundo Nunca Se Vê de Modo Objectivo
O que a arte nos ensina não é puro discernimento, é a relação mais profunda de nós próprios com o mundo, é verdadeiramente o «ver». Se dizemos que um Eça nos reinventou tal mundo, dizemos que outros artistas eram antes dele responsáveis pelo modo como o víamos. E há sempre um modo de ver, que é sempre um mundo estético. Porque o mundo se não vê numa estrita e impossível dimensão «objectiva»: um objecto não nos é nunca neutro, puramente indiferente. O «novo realismo» francês (de um Butor, Robbe-Grillet, de outros) por mais que se pretenda confinado ao «objecto» (como em Robbe-Grillet) não anula a presença do «sujeito». Uma visão estritamente «objectiva» seria ainda sentida como tal... Mas acontece que uma forma «nova» de ver acaba por assimilar-se àquilo mesmo que somos, tendendo a identificar-se com o que julgamos a nossa «natureza». A presença do artista esquece-se, como se o artista fôssemos nós - e um artista inconsciente. E é só ao choque de uma visão original que nós despertamos para uma visão diferente e sentimos que é diferente essa visão: consubstanciada connosco, ela será de novo nossa. A mesma recuperação de uma visão original se opera na própria recuperação de uma obra de arte: a visão do mundo realizada pode passar-nos despercebida. É a recuperação dessa visão que define a descoberta de um artista esquecido - e, através dele, do mundo que nos reinventara.
Vergílio Ferreira, in 'Espaço do Invisível I (Vida, Arte'
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